quarta-feira, 27 de julho de 2016

NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA
Na busca pela integração homem-cavalo precisamos, antes de tudo, nos conectar em nós mesmos
Sei que sou um sonhador, mas também sei que não sou o único, por isso, gostaria muito de compartilhar as minhas sensações e percepções a respeito de como vejo o cavalo. Afinal, desde que comecei a trabalhar com Educação Equestre & Equitação já se passaram 40 anos. Uma trajetória recheada de inúmeros livros, filmes e clínicas e uma grande lição, como já mencionei várias vezes aqui, “na prática a teoria é outra”.
Digo isso por que a cada cavalo novo que chega e cada curso que ministro, tenho que me ajustar a determinadas situações. Isso me fez aprender, desde muito cedo, que a verdadeira teoria é aquela que acabei de praticar. Quando, por exemplo, um aluno me diz que o cavalo dele não quer fazer determinado movimento, respondo que com essa postura ele estará fechando as portas do seu próprio desenvolvimento.
Para se abrir ao desenvolvimento de sua Educação Equestre, terá, antes de tudo, de entender que, naquele momento, não tem conhecimento e habilidade suficientes para apresentar o movimento de maneira que aquele cavalo possa compreender.
Tenho absoluta convicção de que foi acreditando que os problemas estavam comigo e não com o cavalo que consegui superá-los. O fato de estar exposto àquela situação me levava a buscar dentro de mim novas formas de abordar o mesmo problema. Talvez essa seja a maior riqueza do meu convívio cotidianamente com os cavalos nesses últimos 40 anos.
O mais incrível é que, depois de todos esses anos, sinto que agora começo a perceber o que realmente importa. Quando mais me aprofundo no sentido de compreender o significado e a importância do instinto de autopreservação, fica cada vez mais clara a tendência natural do cavalo para fazer conexão com o ser humano. Essa é, sem dúvida, a condição sine qua non para ganharmos a sua confiança. Na verdade, ele só precisa da nossa sensibilidade.
Isso só é possível se, quando estiver diante de um cavalo, consiga enxergar só o cavalo, com todas as suas peculiaridades e particularidades, nada além disso.
Preciso estar com os meus sentidos e a minha intuição ligados para tentar traduzir o que ele está querendo me dizer a respeito daquilo que está acontecendo dentro dele. Percebo claramente que o que acontece no seu corpo é reflexo do que ele está sentindo internamente. Tanto mental quanto emocionalmente.
O cavalo tem uma vida interna muito intensa e particular. Acredito realmente que é muito complexo trazer para a consciência tudo que existe num cavalo. É mais difícil ainda separar todas peculiaridades e particularidades. Para adequar corretamente nossas decisões, precisamos dirigir todo o nosso esforço na direção da compreensão desses detalhes.
Minha preocupação é sempre ajudar as pessoas a se apresentarem ao cavalo de uma maneira que consiga recebê-las com segurança e compreensão. No entanto, sei que só imbuídos de muito amor e de uma paciência infinita - com o cavalo e nós mesmos - é que vamos conseguir compreender seus medos, aflições e resistências.
Hoje, depois de 40 anos, percebo claramente quando acontece aquele “ah, então é isso!”. É nesse momento que somos tocados no coração, que nada mais é que o cavalo retribuindo deliberadamente, confiante e sem nenhuma resistência àquilo que pedimos.
Mas não vamos esquecer: “primeiro precisamos compreendê-lo, para depois sermos compreendidos”.
Não existe nenhuma explicação racional para esse “Ah!”, que marca o momento exato da verdadeira integração. Isso é fruto apenas da “nossa sensibilidade, do nosso timing, e do nosso bom senso”, coisas que aprendemos no dia a dia.
Por isso, insisto com meus alunos que o primeiro passo do aprendizado é desenvolver um nível de consciência que nos permita entender onde nosso cavalo está física, mental e emocionalmente. A partir daí vamos construindo.
Nessas quatro décadas trabalhei com centenas de pessoas e cavalos. Digo, com toda segurança, que a grande maioria me deu o seu melhor de seu tempo, sua atenção e, principalmente, seu esforço pessoal. Na verdade, sinto que compartilhamos experiências que foram extremamente valiosas, não só para elas, mas principalmente na minha procura pelos caminhos da verdadeira integração homem-cavalo. Não vou citar nomes, mas quem quiser pode entrar no www.doma.com.br e ir na parte de “Depoimentos”. Ali estão relatos de pessoas que conseguiram emergir nesse tipo de entendimento e o que realmente significa o meu trabalho.
Acabamos, por tudo o que está compreendido, também conectados. Até hoje essas pessoas estão absolutamente presentes na minha vida. Sempre penso nelas, na experiência que passamos juntos e nas coisas que aprendemos e continuamos aprendendo. Trata-se de um exercício infinito e aí reside a magia dessa relação. Quero, com muito carinho, agradecer a todas as pessoas e todos os cavalos pela oportunidade e privilégio de compartilhar momentos inesquecíveis de nossas vidas. Obrigado, mesmo!
Revista Horse Edição 56 - Maio 2013 - Doma em Progresso.
Eduardo Borba
Projeto Doma
UM NOVO OLHAR SOBRE OS VELHOS MÉTODOS
Nesses últimos 10 anos, tenho feito um grande esforço para colocar a Educação Equestre e a Equitação em bases onde as pessoas consigam abordar os animais com sucesso. Não acredito em mágicas. Meu objetivo principal é que as pessoas consigam criar situações com seus cavalos onde possam evoluir além das suas referências e limites. Acredito no esforço de cada um, no que diz respeito a estudar o cavalo como um todo: físico, mental e emocional.
Não importa qual é a modalidade da atividade equestre escolhida. O cavaleiro precisa ter habilidade para administrar e dirigir a energia do seu cavalo dentro daquele tempo e espaço.
Para isso, é fundamental que o cavaleiro perceba que existe uma diferença enorme quando o cavalo controla sua própria energia e quando ele permite ao seu cavaleiro comandá-la.
O fato é que, na maioria das vezes, as pessoas acreditam que estão controlando a energia do seu cavalo, mas na verdade não estão. Montar é como dançar. se estiver tocando samba, os dois têm que dançar samba. Não pode um dançar samba e o outro dançar valsa.
Quando estou montando um potro ou mesmo um cavalo mais maduro, gosto de fazer um teste para saber se aquele animal está realmente comigo.
Num determinado momento da sessão, paro de montar, isto é, jogo as rédeas no pescoço dele e tiro toda a energia do meu corpo. se ele parar imediatamente, significa que estávamos conectados como se estivéssemos dançando e acabasse a música. Mas se isso não acontecer, fica muito claro que não estávamos sintonizados na mesma música.
Outro exemplo característico: uma pessoa que está cabresteando um cavalo que está relutante em andar. A cada passo ele vai ficando mais pesado no cabo do cabresto. Num determinado momento ele para. A pessoa para, alivia o cabo do cabresto e olha para trás. O alívio neste caso está reforçando o cavalo a não entregar a sua energia.
O que os cavalos fazem e por que fazem o que fazem? Eles sabem tudo o que não sabemos. São muito espertos, evitam aquilo que não compreendem, mas toleram tudo o que não conseguem evitar.
Em razão disso, só a “atenção sobre si” é capaz de nos ajudar a desenvolver habilidades físicas, mentais e emocionais para saber onde o nosso cavalo está mentalmente. Quando estamos ensinando alguma coisa nova ao nosso cavalo, precisamos aprender a reconhecer a menor tentativa e a mudança mais sutil para começar a construir a partir dali. É fundamental perceber como o animal pensa antes de agir. Por exemplo, quando vou ensinar um cavalo a me dar uma das patas, o que acontece antes dele levantar essa pata? primeiro ele precisa transferir o peso para as outras três e se estabilizar nelas. Só depois disso consegue me dar a pata e ficar tranquilo. A maioria das pessoas não percebe isso e, quando o cavalo precisa colocar aquela pata no chão para restabelecer o equilíbrio, acham que ele está teimoso e castigam-no pela atitude. Isso não faz nenhum sentido ao cavalo. Com isso, ele vai sempre associar o manusear das patas a uma sensação desagradável.
É o nosso desenvolvimento da nossa sensibilidade que vai nos ajudar a interpretar as diversas sensações (feel) que o cavalo nos oferece e é o acerto dessa interpretação que nos levará ao timing daquele cavalo e o nosso bom senso vai nos mostrar o que é fazer muito pouco e o que é ir além do limite.
O que se vê é muitas vezes uma técnica sendo aplicada ao pé da letra. Mas o cavaleiro não está levando em consideração as sensações (feel) e o timing daquela situação. Nesse caso o resultado é apenas sofrível. Por outro lado, um cavaleiro dono de uma técnica não tão apurada, mas que aplicada observando a sensação (feel) e o timing do cavalo, produz um resultado muito melhor. O que ocorre é que quando interpretamos corretamente aquela sensação (feel) e acertamos o timing, o nosso bom senso mostrará o que é fazer pouco e o que é fazer muito.
É na psicologia, isto é, na sensibilidade, timing e bom senso, que está a chave que abre o cavalo para nos entregar a sua energia. por isso que se diz: “Os bons e longos serviços que um cavalo poderá dar durante sua vida útil vai depender de como ele foi iniciado”.
Revista Horse Edição 33 - Maio 2011 - Doma em Progresso.
Eduardo Borba
Projeto Doma

segunda-feira, 25 de julho de 2016

UM TRABALHO PARA A VIDA




Só a maturidade pode nos dar o verdadeiro entendimento do que esperamos de nossos animais... e de nós mesmos
“A palavra old, que em português quer dizer antigo ou velho, é também uma expressão bem antiga, que se supõe ser derivada de uma raiz indo-européia que significa nutrir. Seguindo a pista dessa palavra no gótico, no norueguês antigo e no inglês antigo, descobrimos que uma coisa antiga é inteiramente nutrida, crescida, amadurecida”. James Hillman, psicanalista junguiano.
No fim do ano completo 65 anos de idade e 40 de estrada, lidando com pessoas, cavalos e gado. Sinto que quando mais velho vou ficando, mais me surpreendo, me decepciono, fico feliz, me aflijo, me deprimo e fico encantado comigo mesmo. Na verdade, percebo que sou tudo isso o mesmo tempo. E mais: percebo também que não há nada que eu tenha bastante certeza. No entanto, a cada dia que passa percebo o quanto essa experiência com pessoas, cavalos e gado tem me preenchido. Os textos que recebo das pessoas com as quais me envolvo são a prova vida desse processo todo.
Ficar mais velho, mais antigo dentro dessa trajetória me faz sentir nutrido, crescido, amadurecido. Esse amadurecimento vem me mostrando cada vez mais que Educação Equestre e Equitação começa com o cavaleiro e não com o cavalo. Ninguém vai ensinar um cavalo a andar, trotar, galopar, parar, recuar, virar para a esquerda ou direita. Ele já nasce sabendo fazer tudo isso. O nosso assunto agora é ensiná-lo a fazer tudo isso a partir de nosso pedido.
Cavalos vivem o aqui e agora no sentido mais amplo da palavra. Tudo que lhes importa é o conforto físico, mental e emocional. Qualquer interferência nesse conforto provoca medo, ansiedade, insegurança e desconfiança.
Foi o conceito de Feel, Timing & Balance (Sensibilidade, Timing & Equilíbrio) que me levou a uma outra dimensão no que diz respeito à Educação Equestre e a Equitação. É aquela famosa expressão espanhola “Dos es Uno”. O cavalo sou eu.
Foi a partir desse conceito que comecei a não me satisfazer mais com os resultados que vinha conseguindo. Não percebia o cavalo trabalhando comigo. Ele trabalhava para mim ou contra mim. Não tinha consciência de que antes de tudo o cavalo é uma atitude. Não dava ele a chance da escolha.
Compreendi que para ter essa profundidade, isto é, perceber o cavalo como uma atitude, precisava aumentar a minha capacidade de percepção e escuta. Se quero ensinar alguma coisa ao meu cavalo é fundamental que eu saiba onde está a sua atenção. Como o mental e o emocional entram em contato com o seu corpo. Era uma outra amplitude da relação Cavalo-Cavaleiro. Precisava aprender a ver o cavalo se preparando mentalmente para executar o que eu tinha pedido pra ele fazer. Por exemplo, como saber qual pata que iria começar o movimento?!?
Conforme o nosso “Feel, Timing & Balance” vai melhorando, começamos a ver o reflexo que tudo que está na sua mente e no seu emocional, no seu corpo. Tensão, relaxamento, intenções, distribuição de peso, etc...
Vou dar um exemplo bem simples. Quando estou trabalhando no chão, o meu cavalo está parado na minha frente e peço para ele sair num círculo para a direita, preciso perceber a sua intenção. Se ele olha para a direita e dá o primeiro passo usando a mão direita, posso dizer que ele estava mentalmente conectado comigo. Caso ocorra o contrário, ou seja, se ele estiver olhando para a esquerda e o peso estiver na paleta esquerda, sei que ele está pensando para a esquerda, então posso prepará-lo antes que aconteça aquilo que vai acontecer. Desencorajo aquela atitude e tenho a chance de prepará-lo melhor para o que estou querendo.
Para todos aqueles que estão iniciando, seja no esporte, trabalho ou lazer, não acredito que possa existir nada melhor para começar do que nos “Trabalhos de Chão”. Ele nos proporciona conhecer o cavalo como um todo (física, mental e emocionalmente) e abre as portas para que o cavalo também possa nos conhecer.
Depois que comecei a lidar com cavalos tendo como meta principal da minha Educação Equestre o desenvolvimento do meu “Feel, Timing & Balance”, compreendi que o melhor de tudo foi aprender a acolher o que acontece. Não importa se bom ou ruim. Quando trabalhamos com seriedade e disciplina, consciência e humildade, decepções e frustrações se misturam com alegrias, satisfações e encantamento.
Não há como aprender Educação Equestre e Equitação sem passar por isso. Acredito que talvez essa seja a maturidade que estamos falando.
Revista Horse Edição 38 - Outubro 2011 - Doma em Progresso.
Eduardo Borba
Projeto Doma