quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A Origem do Horsemanship dos Califórnios

Quero iniciar aqui uma serie de informações a respeito da Tradição dos Califórnios. Essa matéria que posto agora foi publicada na Revista da ABQM há alguns anos atrás, com o titulo, "O Cow Horse".
Mudei o titulo para:
"A Origem do Cavalo Californiano".
A origem do Califórnio 
A Origem dos Califórnios
Nascido no século XVI, pela necessidade do trabalho com o gado, o ágil Cow Horse californiano manteve-se resistente a todas as mudanças através dos séculos.
Embora qualquer cavalo da Califórnia possa ser chamado de cavalo californiano, o verdadeiro herdeiro do titulo é “Ranch Working Cow Horse” ou como é chamado nos dias de hoje o ”Working Cow Horse”, cuja historia é inextricavelmente entrelaçada com historia desta terra e seu povo.
Tal como o povo desta terra o “Working Cow Horse” californiano é um imigrante com uma mistura de heranças genéticas cujas origens exatas se perderam nas viagens e no tempo.
Sabemos que os cavalos selvagens que vivem na Califórnia há cerca de 200 anos são descendentes dos cavalos trazidos por Cortez, para o México. São animais da linhagem dos cavalos trazidos ao caribe por Colombo em sua segunda viajem em 1494. A tropa de Colombo era indubitavelmente de origem espanhola e moura, mas e antes disso? A resposta é irrelevante, pois como o povo desta terra, o mesteño ou mustang selvagem possuía a mistura de um vigor híbrido, assim como a terra fértil da Califórnia, o que somado ao isolamento geográfico ajudou o cavalo e o homem a não apenas sobreviver, mas prosperar.
“Cow Horse” californiano passou por quatro grandes períodos de prosperidade sem ser afetado pelos desastres naturais e guerras que geralmente impedem a evolução:
1)partindo do período da expansão espanhola na Alta Califórnia iniciado pelos missionários em 1769 e pelos Ranchos cedidos aos Califórnios 50 anos mais tarde.
2)depois durante a frenética era da corrida do ouro.
3)seguido pela ameaça de extinção no século XX pela competição com inicio da era motorizada, e a subsequente salvação e ressurreição na era dourada de Hollywood.
4)e finalmente a era contemporânea.
Esses cavalos tem seguido a mesma trilha de infinito crescimento que tem favorecido a Califórnia desde o seu descobrimento e inicio de sua exploração pelo homem “civilizado”.
Raízes Espanholas 
Quando o frade Junipero Serra juntou-se à primeira expedição de D. Gaspar de Portola, na Alta Califórnia, levou com ele devotos franciscanos, alguns cavalos, gado, mulas cabras e ovelhas, para estabelecer as primeiras Missões.
Apesar da aparência inocente e pacifica dos frades, com suas batinas marrons eles não tinham nada de inocentes e inexperientes. Em geral eram filhos de proprietários de terra na Espanha e tinham muito conhecimento a respeito do horsemanship usado pela Cavalaria Leve Espanhola. Eram pessoas familiarizadas com táticas de guerra, assim como na lida com animais e agricultura e estavam determinadas a converter para a sua igreja o maior numero de pessoas possível.
Tudo que sabemos a respeito do Oeste norte americano, nasceu no México ou Nova Espanha. Era assim que no século XVI os conquistadores chamavam aquela região.
As primeiras missões lutaram para sobreviver longe da Espanha e do apoio do México, cercados por povos nativos sempre curiosos e por vezes hostis. Entretanto, a abundancia de campos e florestas da Califórnia, o clima brando e o bom gerenciamento dos recursos feitos pelos frades e pela reduzida força militar espanhola, fez com que as missões começassem a acumular terra e gado em uma quantidade estarrecedora.
Em 1773 a soma dos animais nas 5 primeiras missões totalizava o numero de 73 éguas de cria 4 potros e 30 cavalos de trabalho e cerca de 350 cabeças de gado, todos na Alta Califórnia. Por volta de 1800 com mais 13 missões esse numero passou a ser aproximadamente 153.000 cabeças de gado em todo o território. As estatísticas para o ano de 1834 com 21 Missões produtivas eram de 396.000 cabeças de gado e 61.600 cabeças de equinos – um número surpreendente considerando a quantidade de cavalos e de gado trazidos para o norte pelos missionários.
Como estes números não incluem os cavalos selvagens e o gado proveniente de umas poucas cabeças perdidas, desgarradas ou roubadas pelos índios das missões e dos presídios militares, presume-se que havia um numero desses animais ainda muito maior naquele território.
Conforme o rebanho crescia, aumentava a necessidade de vaqueros. As Missões contavam com uns poucos espanhóis, portanto, não tinham homens disponíveis. Embora fossem tecnicamente proibidos pela lei espanhola, permitir que os nativos tivessem acesso aos cavalos, os missionários começaram a ensinar os índios convertidos a montar e foi assim que nasceu o Vaquero da Califórnia.
Herdeiro do horsemanship e do artesanato de artigos de selaria dos mouros e espanhóis, o “Vaquero Californiano” – uma mistura de sangue e hábitos dos índios, mexicanos e espanhóis – emprestou o que quis das tradições dos conquistadores e exploradores e inventou tudo o mais que acreditou ser necessário, criando, inconscientemente uma das melhores abordagens de horsemanship que já se viu.
O “Cow Horse” californiano ainda carrega a marca daquele Vaquero engenhoso, talentoso e habilidoso. Desde o Spade bit ou Half Breed bit, com suas pernas incrustadas de prata em forma de meia lua e estrelas islâmicas(influencia moura), suas selas “wade” bordadas e equipadas com os enormes pitos “Guadalajara” encapados com couro de mula que facilitam o trabalho do estilo “Dally”, foi como os buckaroos americanizaram a expressão: dale una vuelta. Era uma maneira de se passar a reata, (laço de couro cru trançado, com 18 metros) pelo pito da sela para segurar o animal laçado. De uma forma ou de outra se tornou muito mais eficaz no manejo do gado, do que as Garrochas (bastões com pontas de metal, usados para manejar e separar o gado, trazidos da Espanha).
O “Cow Horse” californiano, atual “Working Reined Cow Horse” possui uma maneira orgulhosa de carregar seu corpo, flexionado na primeira e segunda vértebras, sempre engajado e a disposição do seu cavaleiro. Leve como uma pluma, grande orgulho daqueles pacientes Vaqueros.
Desde o acabamento das selas com detalhes em couro cru e prata, a seus esbarros que fazem o chão roncar até os estonteantes giros sobre os posteriores, o “Cow Horse” californiano tão valorizado pelos treinadores de rédeas, é um tributo vivo à paciência e abordagens de treinamento daqueles que recebiam o titulo de Vaquero.
A população da Alta Califórnia (de San Diego a atual Sonoma), cresceu lentamente, cercada ao oeste pelo Oceano Pacífico e ao leste pelos proibitivos desertos e pela Serra Nevada. Por volta de 1815, os velozes navios da Nova Inglaterra a caminho da China e do Extremo Oriente, passaram a incluir Monterey em seus itinerários para comercializar com os frades das Missões.
Nessa época, era realizado um Rodeio para separar, marcar e abater o gado em antecipação a visita dos navios e o nível de destreza(horsemanship) apresentada durante essas festas tornaram-se verdadeiras lendas. Os Vaqueros adoravam a oportunidade de exibir seus cavalos e sua habilidade com a reata. Competições ousadas, incluindo laçar os temíveis ursos pardos, começaram a se desenvolver.
Quando o México ficou independente da Espanha em 1826 as missões foram secularizadas e uma grande parte das terras da igreja tornaram-se propriedades privadas de homens ambiciosos. Esses enormes Ranchos cujos donos eram chamados de Califórnios, renderam um enorme lucro com a carne, o couro e o sebo do gado que prosperava ali e os Califórnios ficaram cada vez mais ricos e satisfeitos com o trabalho dos Vaqueros.
Em 1846 a Califórnia rompeu a sua aliança com o México e os novos colonizadores, “Yankees” começaram a tomar as ricas terras que tinham pertencido a gloriosas gerações de Califórnios. A era dos Ranchos terminou e com ela foi-se embora o gracioso estilo de vida dos Califórnios e o tempo ilimitado que os Vaqueros devotavam para produzir os melhores cavalos que eram usados para trabalhar o gado e para montar.
A Influencia dos Yankees
Com a descoberta do ouro perto de Sacramento em 1848, a Califórnia transformou-se no alvo de uma das maiores migrações humanas da história – um fluxo que se tornou uma verdadeira inundação. Quando a palavra ouro era ouvida nas grandes cidades e comunidades agrícolas do leste, a corrida era uma loucura.
Foi o “Cow Horse” californiano que carregou os mineradores, seus equipamentos e as riquezas que adquiriram, por toda a segunda metade do século XIX.
Embora bois e mulas fossem usados durante a migração para o oeste, os cavalos permaneceram como o meio de transporte preferido na Califórnia, por que podiam, em muito pouco tempo, cobrir as longas distancias entre os assentamentos.
Enquanto os colonizadores otimistas escolhiam uma rota árdua por terra ou mesmo navegando ao redor do cabo, o mercado se manteve forte no que diz respeito a cavalos robustos e resistentes que levavam os imigrantes até as montanhas e os lugares onde haviam escolhido para viver a sua nova vida.
Com uma estimativa de 2.000.000 de novos californianos, na primeira década da corrida do ouro, a demanda de carne aumentou consideravelmente. Rapidamente os grandes rebanhos começaram a valer fortunas. Passou a existir uma grande demanda de carne e couro nos grandes assentamentos criando alvoroço nas cidades novas como S. Francisco por exemplo.
Apesar de fortunas feitas e perdidas nas minas de ouro e prata terem sido manchetes dos principais jornais da segunda metade do século XIX, muito mais dinheiro era ganho suprindo a população que corria freneticamente atrás da sorte grande. Desde Mother Lode até Comstok, comerciantes, rancheiros e fazendeiros foram os grandes vencedores da corrida para o Oeste. Mesmo depois que as minas se esgotavam e os mineiros partiam em direção aos novos rumores de outras minas, os rancheiros mantiveram-se por muito tempo com as fortunas feitas nesta época.
Depois da Guerra Civil e da construção da Ferrovia Transcontinental em 1869, o caminho para o Oeste continuava atraindo intrépidos viajantes para a Califórnia. Os Ranchos prosperavam e embora os índios das planícies e os búfalos começassem a ficar espremidos pelos arames farpados e pela agressividade e determinação dos que se estabeleciam ao leste das Montanhas Rochosas, as riquezas minerais e a agricultura eram abundantes e capazes de absorver todos que ai chegassem, incluindo alguns ex-escravos que não tinham para onde ir.
Nunca anteriormente o oeste e o leste estiveram tão próximos. Comerciantes atravessavam o estado a cavalo distribuindo produtos de necessidades básicas e artigos de luxo e também havia o “Pony Express”(serviço de correio), embora posteriormente, este tenha sido substituído pelo telégrafo.
Os rumores da promessa de uma vida nova na Califórnia, com seu clima brando e infindáveis recursos chegava até a Europa e a imigração continuava.
Os novos imigrantes chegavam trazendo gado doméstico, assim como a cavalaria trazia novas raças de cavalo do leste que eram cruzados com as éguas nativas, uma tropa formada basicamente pelos mustangs,(mesteños)rústicos e determinados. O clássico “Working Cow Horse” californiano começa a emergir: ossos mais delicados, mas fortes, pele fina, carregada da sensibilidade necessária aos horsemen, rápidos e intrépidos. Olhos grandes e inteligentes, possuíam muito “cow sense”, quer dizer, aprendiam muito rapidamente a lidar com gado,
Esses cavalos eram traiados de forma muito particular. Artesãos extremamente hábeis, se espalhavam pela região para servir aquela população crescente. As selas eram verdadeiras obras de arte, os freios e as esporas incrustadas de prata, mais pareciam jóias do que equipamentos de trabalho. As cabeçadas adornadas de couro cru e prata, e através das mãos compreensivas que seguravam a alça do romal(rédeas de couro cru, trançadas dentro dos padrões mais requintados de artesanato) as bocas pacientemente educadas produziam musica através dos “Rollers” que compunham e ainda compõe, o bocal dos Spade bits e Half Breed bits e o tradicional balé feito por homens cavalos e gado continuava.
Hollywood Salva o Cavalo Californiano
Com o crescimento das cidades e os trens diminuindo as distancias depois do fechamento das pradarias em 1890 cavalos se tornaram parceiros desnecessários na agricultura por causa da mecanização. De repente se tornaram figuras anacrônicas do Oeste Selvagem, isto é, apareciam em shows, circos e em alguns rodeios.
Por terra e mar, os meios de transporte passaram de caravelas, carroças e carruagens a navios a motor, trens e automóveis e as rodovias e ferrovias já não eram mais adequadas para as ferradura dos cavalos.
As pessoas queriam tratores e caminhões que trabalhavam e depois ficavam quietos na garagem. Não queriam mais os cavalos que precisavam ser alimentados e exigiam cuidados diários.
A I Guerra Mundial incentivou o desenvolvimento do transporte mecanizado e as maquinas de guerra, foram elementos que de certa forma sentenciaram a morte o cavalo e toda a atividade eqüestre.
Como um parceiro de trabalho e uma condução integra e confiável, quer dizer, sair daqui e chegar lá, o “Cavalo Californiano estava condenado a desaparecer, quando do meio de uma nuvem de poeira, escutamos pela primeira vez um “Hi O Silver”que fez com que os nossos mais profundos vínculos com cavalos reascendessem. Em romances baratos e nos cinemas, a população de uma nação que estava com a economia completamente arruinada por causa da I Grande Guerra, começou a ver cowboys e cavalos como ícones da virtude, bondade e melhores dias.
Primeiro foi no cinema mudo, depois nos falados e nos musicais (invenção improvável do cowboy cantor)- o cavalo havia ressuscitado. Roy Rogers & Trigger, Gene Autry & Champion, Zorro & Silver, Tom Mix & Tony, Hapalong Cassidy & Topper e muitos outros. Os cowboys eram bons e seus cavalos muito melhores. A Época de Ouro do western de Hollywood, reviveu o interesse pelos cavalos, e pintou-os não como maquinas de fazenda, lerdas e sem vida, mas como valiosos amigos. Graças ao cinema, de repente os cavalos se tornaram companhias desejáveis, ótima recreação e algo tangível que fazia com que se identificassem com a opulência e a magia de Hollywood, Califórnia
Muitos soldados que voltaram da Segunda Grande Guerra, escolheram se estabelecer na terra das estrelas de cinema. Pequenas chácaras à margem das cidades abrigavam cavalos e cachorros que eram um requerimento básico para se criar crianças. Assim que a classe média da Califórnia cresceu, muitas oportunidades foram aparecendo para se possuir e montar a cavalo.
Meninas pré-adolescentes, sempre loucas por cavalo eram encorajadas pela imagens da Elizabeth Taylor e Jacqueline Kennedy a fazerem aulas de equitação e se tornaram confiantes amazonas.
Rodeios, Exposições, Cavalgadas e Desfiles ofereciam oportunidades para as pessoas montarem a cavalo e mostrar a cara, assim os californianos mostravam para todos o melhor cartão postal. O velho Oeste e o mérito do cowboy.
Na década de 60 o valor das terras para se operar ranchos comerciais subiram consideravelmente, nos estados ao norte e a leste da Califórnia. Aqueles que conseguiram ficar receberam como recompensa os lucros vindos do gado que era criado naquelas terras férteis e honraram, nem que tenha sido apenas teoricamente, a grande habilidade e disciplina da Tradição do Vaquero Californiano, tão necessária há mais de 100 anos atrás.
As celebridades californianas ainda possuem cavalos e quando uma estrela do cinema(Ronald Reagan) se elege presidente da republica dos E.U.A., seus cavalos, aparecem regularmente na imprensa, traiados dentro da Tradição Californiana.
Mudanças Modernas
A Califórnia desenvolveu uma população eqüina das mais diversas em relação ao resto do mundo e também é o estado que possui a maior população de cavalos de todos os E.U.A. Mas o Cavalo Californiano – aquele cavalo extremamente ágil na lida de gado tão valioso para os Vaqueros esteve para desaparecer, até que um grupo de entusiastas dessa Tradição, se reuniu e em 1949, foi fundada a “Califórnia Reined Cow Horse Association”.
A maior preocupação dos fundadores da C.R.C.H.A. era preservar a tradição e estilo do treinamento e do trabalho com o gado tanto nas arenas como nos Ranchos, do antigo cavalo Californiano. Renomeada “National Reined Cow Horse Association”, a organização, mantém o “Snaffle Bit Futurity” como o seu evento mais lucrativo que junto com a dedicação dos seus membros, mantém viva a lenda do Tradicional Cavalo de Lida Californiano.
Atualmente, nessa virada de milênio, uma onda de nostalgia vem surgindo em torno do Cavalo Californiano. O numero de pessoas que procura pela tradição, na maneira de montar e na educação e boas maneiras no manejo o cavalo do Buckaroo é cada vez maior. É como se fosse uma ressurreição, uma nova vida em direção do horsemanship do Estilo Californiano de Montar e Ensinar o cavalo a Trabalhar que nasceu nos desertos do Norte da África com os Mouros, mas que foi incubado na Espanha e no México e que desabrochou nos enormes Ranchos da Califórnia da metade do século XIX.
O corrente renascimento do Cavalo de Lida Californiano – independente de como ele possa ser chamado, “working cow horse, west coast reiner ou apenas, o Bom e Integro Cavalo de Serviço dos Ranchos, – só vem confirmar a tendência na direção à integridade desse paciente mestiço, mas nobre linhagem, tanto de animais quanto de pessoas, enquanto entramos nesse novo século.
Texto: Suzanne Drnec
Inspirado: Revista Western Horseman Junho 2001
Versão: Borba
Publicado: Revista ABQM

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